Querido Lucas,
Hoje está nublado e
quente e isso me irrita, minha pressão cai e nada me agrada. Como pode perceber
ainda uso o "tempo" como início de conversa, mas foi a única coisa
que pensei pra tentar iniciar um diálogo com alguém que não falo há mais de um
ano, sua última recordação foi aquele cartão de natal que me mandou, e eu ainda
o tenho guardado (como pode ser tão ridículo e incrível?)
Enfim, vamos tentar
iniciar uma carta como de fato ela deve ser. "Tudo bem com você?
Espero que sim, pois comigo as coisas estão ótimas", meio aquelas
coisinhas que se aprende nas aulas de redação quando está no ensino
fundamental, como se houvesse fórmula mágica para escrever pra uma pessoa que
ama/amou.
Tenho tanto pra falar,
mas nada está saindo como o planejado, na verdade nem sei por onde devo
começar. Provavelmente já percebeu que ando meio angustiada por estar enrolando
tanto, e de fato estou. Eu tenho o incrível poder de sempre me dar mal quando o
assunto é relacionamentos, sinceramente eu acho que você foi a única coisa que
deu certo na minha vida e mesmo assim não demos certo. (um momento a paciente
das quatro acabou de chegar, quando puder volto a escrever)
(acabei de chegar em
casa, agora posso concluir a carta) Voltando ao assunto do "dar
certo", seria muito mais fácil se os relacionamentos fossem como minha
vida profissional e financeira, é meio frustrante para uma psicóloga saber que
o único relacionamento estável que teve foi dos 17 aos 20 anos, e em
plenos 27 anos não consigo me firmar com ninguém. EU AJUDO RELACIONAMENTOS
DIARIAMENTE! E comigo não dá certo.
A Valentina sempre diz
que eu sou a grande culpada: "Marina, você passa muito tempo dentro
daquele consultório, esquece de si, e até perdeu toda aquela atitude que tinha
antes". Acho que ela tem razão, me preocupo demais com as outras pessoas,
me deixo de segundo plano, e ainda insisto em cuidar muito de quem está comigo,
eu preciso parar de disfarçar meus ciúmes com meu ar falso de compreensividade,
senão daqui a pouco eu explodo, e você sabe que eu explodo.
Acho melhor eu parar
com esse assunto, pois estou parecendo uma adolescente de 16 anos reclamando da
vida para a melhor amiga, e por falar em melhor amiga; a Catarina vai se casar,
e adivinha quem vai ser a madrinha? Eu, é claro. É incrível como nossa amizade
é duradoura, mesmo estando a centenas de quilômetros nos falamos com muita
frequência e sempre quando dá nos visitamos, nunca imaginei que em algum dia
ela e o Pedro teriam alguma coisa e muito menos que namorariam por cinco anos
antes de se casarem, (eu ainda não me acostumei com essa ideia), parece que foi
ontem que estávamos fazendo planos de viajar o mundo juntos, e depois de dez
anos ainda não tivemos essa oportunidade, na verdade a Catarina, o Pedro, a
Tina e o Fernando voltaram mês passado da expedição pela África. Sim, eu fiquei
trabalhando... e lendo, é claro, ainda não perdi minha mania de ler a todo
momento. Transformei o quarto de visitas do meu apartamento em uma
minibiblioteca, mas ainda deixei um quarto para quando a Tina e o Fê vêm me
visitar, aqueles dois sempre estão aqui!
Taí, você deveria me
visitar, ainda moro naquele simpático prédio construído no inicio do século
passado. O que seria provisório se tornou definitivo, na verdade mudei para um
apartamento maior, como você viu quando veio aqui. Depois que terminei a
faculdade quis continuar aqui, e meus pais ainda insistem que eu volte a morar
com eles, mas acho que não iria me adaptar, eu os amo muito, no entanto é
estranho voltar pra casa depois de onze anos morando sozinha, tudo bem que os
cinco primeiros anos morei com a minha irmã (acho que é por isso que ela sempre
está aqui). Mas de algumas semanas pra cá estou pensando seriamente em mudar de
cidade, sair dessa monotonia, e fazer um novo curso. Um dia desses um amigo da
faculdade me mandou um e-mail falando de um curso em outra cidade, um pouco
longe daqui, e ainda me convidou para sermos parceiros em um novo consultório,
marcamos um almoço e eu disse que estava tentada a aceitar a proposta, só ia
pensar um pouco.
Será ótimo para mim,
um novo desafio, e se não der certo ainda posso voltar. Só acho meio difícil
conseguir o apoio da minha família, principalmente da Tina, ela reclama dos cem
quilômetros de casa, imagina quando essa distância sextuplicar? Será incrível,
poderei crescer como indivíduo e profissional.
E você como está?
Ainda tem o poder de desvendar o que as pessoas realmente estão sentindo? Ou eu
que era muito previsível pra você? Ainda trabalha com seu pai? Continua sendo
absurdamente insuportável quando quer? Como anda sua vida amorosa? É estranho
perguntar isso para o seu ex.
Bem, já são duas horas
da madrugada e já tomei três taças de vinho. Acho melhor ir dormir.
Beijos, se cuida. Da sua eterna pequena.
PS: Venha me visitar quando puder, nem precisa avisar, adoraria essa surpresa.